Wednesday, November 29, 2006

Nova poesia portuguesa .02

tGvIvG

Houvera já TGV e mais rápido seria
ir ao lado, à IVG.
Não, não não, ao lado não,
baralhas a discussão,
dirão.
Esqueçamos a locomotiva,
fique legal e pague IVA.
Qual a sua posição,
neutral, activa, passiva,
acha que sim, ou que não?

Permanece uma questão:
Os hermanos chamam-lhe o quê?
Ao TGV e à IVG?

Noémia Calafate, in «Nas rosas com os tachos», 2006

Tuesday, November 21, 2006

Resumos para leitores apressados .01

Memorial do convento, de José Saramago

Uma bruxa e um maneta apaixonam-se. Ele participa na construção do convento de Mafra. Voam na passarola de Bartolomeu de Gusmão. Ele desaparece, ela procura-o, ele é queimado na fogueira inquisitorial. Fim.

Tuesday, November 14, 2006

"Pequenas memórias"

Um Nobel discorre sobre os tempos em que os PC's tinham discos rígidos de fraca capacidade.
As más línguas dizem que a rigidez continua e até piorou.

Friday, November 10, 2006

Chuínga .03

«Encontre Constança e a boa sorte surgirá na forma de notas de banco».
Era uma oferta que eu não podia recusar. Abandonei a pose displicente. Tirei os pés de cima da secretária, apaguei o cigarro que estivera pendurado, moribundo, ao canto da boca e dispus-me a ouvir as informações do meu novo cliente. A escritora desaparecida fora vista pela ùltima vez na Boca do Inferno, num dia de temporal. Não estava posta de parte a hipótese de ter caído ao mar, mas César não acreditava nesse cenário.
«Demasiado teatral, mesmo para ela».

Monday, November 06, 2006

Chuínga .02

A mulher traída não tardou a surgir. César, editor triunfante de obras leves no conteúdo mas maciças nos proventos, ligara-se, em termos que excediam largamente os profissionais, a uma das suas autoras. Mas, qual homónimo de tempos idos, a sede de conquista estava entranhada em si, e não conseguia deixar de perseguir outros géneros literários. Despeitada no amor, que não no físico, a autora... chamemos-lhe Constança, o sigilo impede clarezas maiores... Constança desaparecera levando consigo o manuscrito da presumível bomba literária do ano. Bomba no sentido em que César apostava nela para rebentar os seus cofres bancários, de tão cheios.
E agora recorria a mim para encontrar a galinha da obra de ouro. Porquê eu? Dentre todos os detectives privados desta cidade manhosa, porquê eu?
«A sua fama precede-o, senhor Ego»
«E a má sorte persegue-me»

Sunday, November 05, 2006

Chuínga .01

«Quero que encontre a mãe duma obra-prima»,
disparou o homem sentado à minha frente, fato de bom corte e sapatos brilhantes, todo ele exalando esse perfume requintado que nasce duma conta bancária robusta.
«A minha especialidade é a literatura, não os casos de família»,
chalaceei, e os seus olhos semicerraram-se absorvendo a ironia num lampejo breve. Senti na ponta dos dedos uma dormência suave, que noutras ocasiões se revelara um sinal de alarme mas podia agora não passar de reacção ao frio que se instala numa sala quando o seu ocupante não tem cheta no bolso para pagar o aquecimento.
«Se concluir a tarefa com êxito, senhor Gualter Ego, terá à sua espera obras completas de notas frescas.»
«Vejo que conhece os meus gostos, senhor...»
«César. Homero César»
Clássico. Percebi logo que este não seria um caso raso, um simples desemaranhar de literatura de cordel, mas algo com a profundidade que só os olhos de uma mulher traída e os ferimentos de bala fatais conseguem ter.

Saturday, November 04, 2006

"A fórmula de Deus"

Parece que afinal é simples: basta juntar água.
E contém Aloé Vera.

Thursday, November 02, 2006

Nova poesia portuguesa .01

Ser o mano

Quanto custa
ser o mano
é tarefa
mais pesada
que passar
no vão da escada
um piano.

Mistérios
de ser o mano
são perto de
indecifráveis
e não cedem
suavemente
como suave
cede um cano
nas mãos hábeis
dum fulano
canalizador
que sabe.

Madeira Antunes, in «Castas puras a copo», 2006